Basta a inscrição no vestibular para amigos
(e até ilustres desconhecidos) fazerem a pergunta, geralmente por falta de
assunto, como quem diz nas entrelinhas: "não tenho nada para falar sobre
isso, então aqui vai a pergunta coringa". Seria irritante, não fosse a
beleza do assunto. Repetir diversas vezes o mesmo discurso pode ser cansativo
em muitas situações, mas neste não é. Trata-se do próprio Deus falando com você
de uma forma especial. Não é qualquer coisa e não pode ser respondido como tal.
Há histórias lindas de conversão, de como a
ovelha pecadora ouviu o chamado de seu Pastor, foi resgatada do buraco e
decidiu servi-Lo. Outras em que o indivíduo pediu um sinal e recebeu uma
resposta tão clara quanto a água de uma nascente. Não obedecer até parece que
deixa de ser uma opção em casos assim.
Mas meu chamado não passou nem perto dos
clássicos, e por isso a famosa pergunta costumava ser incômoda. Eu não tenho
uma super história para contar; não
tenho milagres evidentes; nada de pontos da virada. O que tive foi a vida
normal de um adventista de berço que nunca saiu da igreja, sempre participativo
nas atividades religiosas, mas que nunca cogitou o ministério como profissão.
O chamado aconteceu ao longo do tempo,
simplesmente. Por ser filho de pastor, desde pequeno ouvia coisas do tipo
"ah esse vai ser pastor"; a cada oraçãozinha na igreja, "olha...
tem o jeito do pai".
- Lucas, o que você quer ser quando
crescer?
- Piloto de avião - era a resposta.
- E que tal pastor, igual o papai?
Dava de ombros e deixava o
"manipulador infantil" sem resposta como quem diz, "não,
obrigado".
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Lucas e família |
Ao contrário do tempo, nenhuma nova fase da
vida passou sem que o velho incentivo voltasse: "você tem cara de
pastor!" Se fosse verdade que a voz do povo é a voz de Deus, ninguém teria
dialogado mais com Ele na história do mundo que eu, perdendo talvez só para os
eternos Enoque, Moisés e Elias.
Perseguindo meus sonhos de grandeza e
importância, fiz relações internacionais sonhando com a diplomacia. Queria
representar o País no exterior; aquele belo salário; o status e glamour da
profissão; ser admirado por família e amigos. Grandes sonhos para um candidato
a cidadão do mundo e a estrangeiro no céu.
Quando percebi que nada estava saindo como
havia planejado, tive que repensar. "Como conhecer a vontade de Deus"
é um livrinho de bolso pelo qual Morris Venden me abriu os olhos para algo
interessante: quem enxerga nitidamente seus dons não é você, mas aqueles que te
veem. Posso achar que canto bem, mas se a audiência tiver uma opinião
diferente, preciso treinar mais ou parar de insistir em causar dores de cabeça
nas pessoas.
Todo o incentivo que por tantos anos da
vida recebi para o ministério pareciam começar a fazer sentido. Foi quando,
providencialmente, meu irmão mais velho, advogado, deu o xeque-mate com um
e-mail recheado de argumentos que mostravam, por a + b, que eu estava fugindo do que Deus sonhara para mim. Sempre
fui extremamente racional em minhas decisões e isto estava me impedindo de
fazer uma escolha que exigia também o coração. Pela primeira vez, finalmente,
considerei a ideia. Prestei o vestibular seguinte e cheguei ao UNASP com a
convicção de ter estado bem acompanhado e direcionado ao longo de tantos anos
de acontecimentos simples e comuns.
E foi assim que fui chamado. Nada chocante,
nada avassalador, apenas a linda paciência de Deus trabalhando num coração cego.
Nas palavras de meu pai, pr. Josemi Azevedo, não vou mais representar um país,
mas o Reino que governa o universo. Em todos os aspectos, pastores são
diplomatas a falar em nome do que há de mais impressivo, imenso e poderoso em
todo o cosmos. Não recebem o mesmo salário, prestígio ou admiração dos homens,
mas isto não incomodou o próprio Deus encarnado que ensinou que servir é o
grande prêmio.
"Venha o Teu reino." Mt. 6:10a